Psicologia do Esporte

O que é a Psicologia do Esporte?

A Psicologia do Esporte é uma nova ciência do treinamento esportivo que tem prestado importante contribuição para a otimização do rendimento de atletas e equipes.

Dar aos atletas respaldo psicológico é tão importante quanto lhes fornecer uma alimentação balanceada, programada por nutricionistas. Afinal, o corpo físico e o mental são as duas faces de uma mesma unidade e merecem a igual atenção (BECKER & SAMULSKI, 1998). Cuidar do corpo significa percebê-lo como um todo unificado, do qual fazem parte emoções e estruturas mentais. 

O papel do psicólogo responsável pela saúde psíquica de um time se desenvolve a partir de uma abordagem das emoções vivenciadas pelos jogadores em sua rotina de trabalho (FRANCO, 2000).

É comum ouvir atletas e treinadores afirmarem que “temos que nos preparar psicologicamente para esta partida” ou “fisicamente o time está bem, mas psicologicamente vem passando por dificuldades” ou, ainda, “temos que elevar o moral para virarmos o jogo” (BECKER & SAMULSKI, 1998, p. 31).

As demandas psicológicas esportivas são inegáveis. Muitos atletas acabam sucumbindo diante de dificuldades que poderiam ser minimizadas caso houvesse um maior interesse de treinadores e dirigentes na contratação de psicólogos esportivos. (COZAC, 2002)

Na perspectiva biopsicossocial do ser humano, o atleta poderá se deparar com necessidades em quaisquer das esferas acima citadas: biológica, psicológica ou social (WEINBERG & GOULD, 2001).

Assim sendo, se existem necessidades no plano físico/biológico, é preciso estar atento ao profissional capacitado para intervir no problema em questão, seja ele o nutricionista, o ortopedista, o clínico geral, o fisioterapeuta ou o cirurgião. Cada um atuando dentro de sua esfera e área de competência. O mesmo deve ocorrer no plano social e psicológico (BECKER & SAMULSKI, 1998). Na área esportiva existe uma necessidade inegável de auxílio psicológico aos atletas. No entanto, a presença desse profissional nas Comissões Técnicas nem sempre é bem aceita e compreendida, talvez pela dificuldade de a ciência atingir essa população ou pelas crenças socioculturais já tão enraizadas no meio esportivo. (COZAC, 2013)

Para que se possa compreender a teoria e a prática da Psicologia do Esporte, importa esclarecer seu conceito, proposta e objetivos.

Segundo a American Psychological Association (APA), “a psicologia do esporte é o (a) estudo dos fatores comportamentais que influenciam e são influenciados pela participação e desempenho no esporte, exercício e atividade física e (b) aplicação do conhecimento adquirido através deste estudo para a situação cotidiana” (BECKER & SAMULSKI, 1998).

Benno Becker Jr., presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte, afirma que “há uma disciplina chamada psicologia aplicada ao exercício e ao esporte que investiga as causas e os efeitos das ocorrências psíquicas que apresenta o ser humano antes, durante e após o exercício ou o esporte, sejam esses de cunho educativo, recreativo, competitivo ou reabilitador” (1999, p. 17).

A Psicologia do Esporte tem por finalidade investigar e intervir em todas as variáveis que estejam ligadas ao ser humano que pratica uma determinada modalidade esportiva e também em seu desempenho (BECKER, 1999).

Muitos ainda acreditam que essa nova ciência é indicada apenas para atletas de alto desempenho, mas é importante ressaltar que a Psicologia Esportiva tem um alcance ainda maior em termos de teoria e prática do que aquela que está focada nas competições e no desempenho de equipes. Psicólogos esportivos podem atuar em academias de ginástica, escolas, centros recreativos, clubes e programações educacionais junto a educadores físicos.

Vários outros segmentos da psicologia têm influenciado a Psicologia do Esporte ao contribuir na ampliação do conhecimento dos fenômenos psicológicos que englobam a atividade esportiva. Entre eles, a psicologia social, do desenvolvimento, clínica, experimental, organizacional, da personalidade e a educacional. A Psicologia do Esporte é, portanto, uma área interdisciplinar que envolve várias áreas da Psicologia (WEINBERG & GOULD, 2001).

Vale salientar a importância dos conhecimentos práticos da modalidade esportiva a ser trabalhada pelo psicólogo. O objeto de estudo deve ser algo familiar ao profissional para que o mesmo possa compreender o discurso e as demandas dos atletas, além de promover uma facilitação na compreensão do discurso e da experiência daquele que pratica determinada ação esportiva. (COZAC, 2013)

A Psicologia do Esporte é uma ciência (BECKER, 2000). Durante as últimas quatro décadas tem sido realizadas pesquisas no intuito de confirmar hipóteses formuladas, consolidar teorias e, por fim, aplicá-las, intervindo eficazmente junto aos atletas.

No Brasil existem alguns centros de publicações científicas com reconhecimento internacional como o Laboratório de Psicologia do Esporte (LAPES), na UFMG, cujo diretor é o Dr. Dietmar Samulski, o Departamento da Pós-Graduação da UFRGS, cujo coordenador é o Dr. Benno Becker Junior e o Laboratório de Psicossociologia do Esporte da USP (LAPSE), cujo coordenador é o Dr. Antonio Carlos Simões.

A Psicologia do Esporte, segundo a Federação Europeia de Associações de Psicologia do Esporte, “FEPSAC” (1996), se refere aos fundamentos psicológicos, processos e consequências da regulação psicológica de praticantes das atividades relacionadas ao esporte. O foco deste estudo está nas diferentes dimensões psicológicas da conduta humana no esporte: afetiva, cognitiva, motivadora ou sensório-motora (BECKER, 1999).

A Psicologia do Esporte visa compreender as demandas implicadas nestas atividades e oferecer assistência adequada aos seus praticantes, propondo um fortalecimento global e harmônico de aspectos de sua personalidade. Objetiva, também, estudar o efeito do exercício sobre a área emocional do indivíduo como daquele portador de patologias (BECKER, 2000). Essa nova disciplina faz parte das ciências do movimento humano e das ciências do esporte. Portanto, a Psicologia do Esporte é o estudo científico de pessoas e seus comportamentos em contextos esportivos e de exercício e aplicações práticas de tal conhecimento (GILL, 1986). Os psicólogos do esporte identificam princípios e diretrizes práticas que visam ajudar adultos e crianças a participarem e se beneficiarem de atividades esportivas.

Existe certa dificuldade em determinar o início preciso da Psicologia do Esporte em diversos países sem correr o risco de cometer várias injustiças, sobretudo no Brasil onde essa prática tem pouca ou nenhuma divulgação (BECKER, 2000). Os registros oficiais mostram que a Psicologia do Esporte, no Brasil, está em sua sexta década. Acredita-se que seu início ocorreu através do professor João Carvalhaes em 1954, no Departamento de Árbitros da Federação Paulista de Futebol. Enquanto atuava como psicólogo da Seleção, os testes aplicados por ele reprovaram o jogador Mané Garrincha que, posteriormente, foi o grande astro da equipe nacional na conquista do primeiro título mundial na Copa da Suécia, em 1958. (COZAC, 2002)

Esse fato gerou desconfianças na evolução da Psicologia do Esporte no Brasil, especialmente no futebol. O que poucos se recordam é que Garrincha faleceu de cirrose hepática, em péssimas condições físicas e psicológicas. Se as ferramentas utilizadas pelo pesquisador João Carvalhaes não foram eficazes na elaboração de um perfil psicológico esportivo, provavelmente já apresentava provas da fragilidade de um dos maiores astros do futebol brasileiro de todos os tempos. (COZAC, 2013)

A evolução da Medicina do Esporte acrescentou um crescimento científico importante, tanto para a Educação Física quanto para o desporto nacional. Três laboratórios de pesquisa do exercício (Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro) foram criados. Foi iniciada aí a base para a evolução das diversas disciplinas que integram as ciências do movimento humano como a Biomecânica, a Cineantropometria, a Fisiologia e a Psicologia. O início da segunda geração de psicólogos no Brasil aconteceu em 1975, envolvendo Benno Becker Junior (Porto Alegre) Sandra Cavasini (São Paulo) e João Alberto Barreto (Rio de Janeiro). A partir de então, quase a totalidade dos eventos científicos de Educação Física, esporte ou Medicina do Esporte, incluiu a participação da Psicologia do Esporte em suas sessões.

O psicólogo esportivo foi o último integrante da comissão técnica interdisciplinar a ser reconhecido pelos clubes. Até hoje o psicólogo sofre com o preconceito e a desinformação daqueles que, supostamente, deveriam zelar pelo bem-estar dos atletas. Quando um novo profissional da área da saúde ingressa numa equipe de trabalho, mobiliza uma série de mecanismos psíquicos em seus integrantes (simpatia, resistência etc.). Se o novo profissional for um psicólogo, pode ocorrer uma mobilização ainda maior entre os membros da equipe. (COZAC, 2005).

Experiências anteriores de atletas com outros profissionais da Psicologia estimulam a expressão da transferência nem sempre positiva (ou produtiva) com o novo profissional apresentado ao grupo de atletas. Por ser uma área ainda pouco divulgada e conhecida, é comum que promova uma ansiedade paranoide no grupo dando ao psicólogo a tarefa inicial de lidar com a resistência e até negação da importância de seu trabalho e sua presença.

A percepção que cada ser humano tem diante do psicólogo também é bastante variável. Lacrampe e Chamalidis (1995) asseveraram que a percepção do serviço de Psicologia do Esporte depende também das expectativas do grupo, confiança mútua e, sobretudo, da especificidade da situação e do momento em que o profissional inicia a atuação.

O psicólogo assume, assim, o papel de “continente” para receber os conteúdos emocionais da equipe (“contido”) e poder filtrá-los com o intuito de auxiliar na redução das pressões internas. As tensões cotidianas são geradoras de experiências e pensamentos em formas de partículas que são jorradas na busca de um continente que possa comportá-las. Alguns treinadores entendem que estão aptos a realizar esse processo de patriação de conteúdos e, não raro, promovem ainda mais turbulência na saúde psíquica individual e coletiva das equipes.

Por se tratar de uma área pouco (re)conhecida, é recomendável que o profissional que irá iniciar seu trabalho num clube realize uma apresentação sobre os objetivos e funções da área em que irá atuar. Essa apresentação e o pré-projeto psicológico são de extrema valia para o desempenho de suas funções. Uma explicação simples sobre a área e atividades previstas, envolvendo informações sobre sua atuação, irá esclarecer sobre a dinâmica de sua atuação evitando, assim, eventual associação entre a psicologia e psicopatologia.

Em grande número de casos os psicólogos costumam ser lembrados somente quando há dificuldades já bastante enraizadas no grupo. No entanto, esse tabu vem sendo gradativamente alterado visto que a função do psicólogo é ser mais um profissional que atuará, desde o início das temporadas, ao lado dos demais integrantes da área da saúde no esporte. Cabe a ele estabelecer, desde o início, um bom vínculo com a equipe técnica, os dirigentes e atletas.

A posição do psicólogo esportivo nos clubes deve ser discreta. As informações por ele colhidas são de uso interno e suas normas de atuação devem respeitar algumas etapas de implantação de seu programa de Psicologia Esportiva, como veremos a seguir.

Etapas de implantação de um programa de psicologia esportiva

As áreas de atuação do psicólogo no esporte

O principal objetivo do psicólogo do esporte é entender como os fatores psicológicos influenciam o desempenho físico e compreender como a participação nessas atividades afeta o desenvolvimento emocional, a saúde e o bem-estar de uma pessoa nesse ambiente (COZAC, 2013).

Segundo Hikari (2017), os campos de atuação do psicólogo do esporte podem ser relacionados com as seguintes áreas:

  • Esporte de rendimento: procura a otimização do desempenho numa estrutura formal e institucionalizada, analisando e transformando as variáveis que afetam no rendimento do atleta e/ou grupo esportivo;

 

  • Esporte escolar: o foco é a formação, voltada por princípios socioeducativos dispondo seus praticantes para a cidadania e para o lazer. Tem por objetivo compreender e analisar os processos de ensino, educação e socialização inerentes ao esporte e seu reflexo no processo de formação e desenvolvimento do indivíduo;

 

  • Projetos Sociais: o foco central é a utilização de práticas esportivas como meio de educação e socialização de crianças e jovens de comunidades carentes, organizações não-governamentais e iniciativas privadas para os mesmos fins;

 

  • Esporte recreativo: visa primordialmente o bem-estar e a diversão. É praticado por indivíduos de diferentes faixas etárias, classes sociais e econômicas. Pode ser praticado em vários espaços e com diversas motivações.

 

  • Esporte de reabilitação: desenvolve um trabalho voltado para a prevenção e intervenção em pessoas portadoras de algum tipo de lesão decorrente da prática esportiva, ou não, e também aplicado a pessoas portadoras de deficiência física e/ou mental” (HIKARI, 2017).

 

Além das áreas de atuação supracitadas, o psicólogo do esporte pode atuar na esfera clínica, em academias de ginástica e no universo corporativo.

  • Ambiente clínico: O psicólogo esportivo atende atletas de diversas faixas etárias: crianças, adolescentes e adultos. Tem por objetivo central promover o fortalecimento do equilíbrio psicoemocional dos atletas no ambiente esportivo, além de fornecer suporte psicológico para as demandas pessoais que podem representar causas originárias das dificuldades no comportamento esportivo;

 

  • Academias de ginástica: o foco é o apoio aos professores diante da compreensão dos perfis psicológicos dos praticantes de exercício físico, bem como elaborar uma consultoria institucional visando promover a qualidade do ambiente, dos serviços internas e das inter-relações;

 

  • Universo corporativo: através de conceitos e instrumentos de testagem e avaliação utilizados no esporte, o psicólogo atua no formato de consultoria de treinamento de lideranças e equipes, mapeamento de perfil psicológico e otimização do desempenho individual e coletivo dos setores das empresas. Os parâmetros de atuação psicológica no treinamento de times institucionais são similares àqueles utilizados no esporte (COZAC, 2002).